segunda-feira, 14 de março de 2011

Oswald e eu.

Nós somos canibais, é preciso não esquecer.
E respeitar a violência que temos.
Clarice Lispector



Como todos que me conhecem sabem, sou extremamente egoísta e talvez por isso, sempre sinta que não me encaixo nos lugares e é assim que vou mudando, de lugar em lugar. Talvez tudo isso também seja um pouco consequência de toda a infância lendo literatura que não era propriamente feita para crianças. Fora os filmes da Disney e o Sitio do Pica Pau Amarelo, nunca gostei muito de coisinhas "bobas".


É com oito anos que leio meu primeiro livro e me lembro até hoje, quando parava todas as tardes na janela do quarto e lia - com extrema dificuldade - a obra de Fernando Sabino. Lembro até hoje toda a história e os conflitos de Fernando, o personagem excentrico-quase-adolescente que passava por coisas que eu quase não entendia. Mas lia. E gostava.

Tempos depois, foi a vez de Mário de Andrade e o livro "Contos Novos". Toda a metáfora de Mário, passavam despercebida a singela pessoa que quase nove anos e sem atenção que eu era. E foi neste período, em que comecei a me interessar por história.

Os anos passam e me encontro com Mário - amigo tão íntimo quanto Drummond -na época do colegial. Só que desta vez, ele traz uma galera consigo. Galera a qual eu não nutria muito afeto. Em especial, Tarsilla - não sei, simplesmente não gosto! - e Oswald de Andrade.

Não sei porque, mas Oswald era extremamente insuportável p'ra mim. Ouvir a estúpida pronuncia do nome dele me causava calafrios e uma raiva impressionante. E tudo isso mudou quando notei que, pobre Oswald, também não se encaixava no grupo dos modernistas, apesar dos pesares.

O nosso grande divisor de águas foi o meu querido "Rei da Vela". A princípio, li com muito desgosto e por total obrigação. Entretanto, notava coisas na leitura que não tinha certeza se eram certas ou simples ideias de minha cabeça e, após conversar com um professor, ele me disse que eram verdades e, como sou extremamente chata, curiosa e questionadora, começou a contar-me como ocorreu a fatidica briga entre Oswald e Mario, que por coincidência do destino, possuiam o mesmo sobrenome.

Foi aí que meu olhar para ele mudou.

E tudo ocorreu após a semana de arte moderna. Villa Lobos, com o pé machucado, ouvira boatos de que Oswald teria zombado de seu estado físico e de sua apresentação, e na boêmia da noite paulista, o encontrou e foi tirar satisfação. De maneira simples, direta e sem constrangimento, Oswald riu e disse a seguinte frase: "Querido, Villa Lobos! Tu tocas divinamente; na verdade, quem disse tudo isso não foi este 'Andrade' que vos fala e sim, Mário."


Obviamente, Mário descobriu e dias depois, ao encontrar Oswald, atacou-o garrafadas e berros. E este seria o fim da relação entre os Andrades.

Muitos devem pensar que isso é extremamente estúpido. E talvez, seja mesmo. Mas foi ao ouvir tudo isso que comecei a mudar a visão que tinha sobre Oswald, que não concordava com ninguém e tinha suas próprias artimanhas e, cá entre nós, muita graça, para livrar-se das emboscadas da vida. Antropofagia, Oswald. Ele não conseguia ser comum. Pena, ninguém notou.

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