quinta-feira, 28 de abril de 2011

Prisão

A culpa não existe. A mentira não existe.

(...) e até quando insistirás nessa

valsa grotesca nos cristais de palha?

Caio F. Abreu






Os olhos assustados como de quem acaba de acordar anunciavam que havia algo errado. Errado? Não possuia um conceito certo sobre esta palavra que, na verdade, nem gostava muito de pronunciar. Para si, isso não existia...tudo que existia era mais uma grande variedade de opções e caminhos, que ninguém nunca sabe onde levarão.


Mas naquela tarde, para qualquer um que olhasse, sentia que precisava fugir. Fugir. Correr. Sair. O mais rápido possível, caso contrário não sobreviveria, simplesmente não aguentaria. Os olhos cada vez mais vermelhos e as mãos roxas pelo vento daquele outono desgovernado.


Sem olhar para os lados, atravessou a rua entre os carros, que não eram muitos, mas ainda assim faziam esforço para se desviar. Chegou na porta e, em desespero, procurou as chaves no bolso grande do casaco verdade que também era grande e cobria por completo seu corpo pequeno e miúdo. Olhou para os lados ainda procurando a chave. Bateu a porta as suas costas fortemente, causando um estrondo que poderia ser comparado ao de um trovão numa daquelas noites de tempestada, quase que hollywoodianas. Entrou.


A rua permanecia quieta e tranquila. Como os pássaros se escondiam, o único som que se podia ouvir era o do vento batendo na folhagem das árvores que, apesar de outono, ainda continuavam firmes. Por quanto tempo? Quem sabe...


O casaco pesado se deixou cair no chão. Nem olhou para trás. Apenas se sentou no canto esquerdo da sala, perto da porta que levaria ao corredor principal e abraçando as pernas, como quem teme o mundo, abaixou a cabeça e cantarolou devagar e solene, como quem acalma um bebê com medo de escuro. Cantava e se deixava envolver pelo som - único - de sua própria voz que ecoava pela casa. Os olhos fechados. Apertados e tensos.


O frio aumentava e seu corpo tremia completamente, mas continuava no mesmo lugar, inerte, como quem espera algo. Uma notícia. Alguém. Nada. Porque não há nada pior no mundo que o grito estridente do silêncio, que corrói almas.


Ja anoitecera e nem se dera conta de quanto tempo passara ali. Um uivo longe e alto fez com que os olhos se abrissem num ímpeto e devagar, subisse a cabeça, se levantasse e fosse até a janela. Acontecera. Chegara. Enfim, os cachorros loucos haviam sido libertos.


Não poderia mais sair, não poderia, pois, os cachorros loucos com os olhos cheios de negra espuma não permitiriam mais e sabia que em breve eles chegariam. Afastou a cortina e olhou pra fora, onde viu a solidão e uma flor quase despercebida.

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